Era véspera de Natal. Para
nós, aparte a nostalgia da época, seria mais um dia, na esperança de podermos
continuar vivos.
Do posto de rádio, (palhota
improvisada para aquele fim), o “Transmissões” veio ao meu encontro, com uma
folha encriptada, com o grau de urgência” ZULU”.
Para mim, aquilo não era
surpresa, pois era assim que o Subsector Avançado de Nangade se me dirigia,
quando me empurravam para mais uma missão.
Mas, o estranho, estranho, e
daí o ar preocupado do “Transmissões”, é que a origem da mensagem vinha do
Comando Avançado de Porto Amélia.
Torci o nariz e disse cá para
os meus botões:
- Hum, temos merda!!
Sim, porque era normal nas
ocasiões festivas entrarmos de prevenção, pois os “caramelos” do outro lado
gostavam de nos flagelar nessas ocasiões.
Bem! mas lá fomos
desencriptar a mensagem.
Ao fim de algum tempo, a
surpresa desfez-se e olhei para a malta que estava ali e gritei-lhes com um ar,
diria, patético.
- Ei malta. - “O comandante do Sector
Avançado de Porto Amélia e o seu séquito vêem fazer a consoada connosco!
São dois ou três hélios, e
trazem rancho melhorado, dizia a mensagem, mas dizia mais …
Questionava, se estavam
salvaguardas as condições de segurança necessárias para receber tão altas
individualidades.
Quais
as condições de habitabilidade…
Quantos efectivos tínhamos …
Respondi que:
- Temos um pelotão de
Pundanhar que faz a manutenção e segurança do aldeamento de Nhica do Rovuma…
- Temos, um pequeno grupo de
milícias que colabora na proteção interna do aldeamento…
- Temos um Grupo de GEs …
- Temos uma secção de
artilharia, composto por, salvo erro, dez homens …
- Somos quatro graduados e
cerca de 25 militares metropolitanos…
A logística que poderíamos
oferecer era apenas uma palhota, que funcionava simultaneamente, como messe,
camarata, depósito de material de guerra … enfim; era o que se podia arranjar.
Após o envio da mensagem,
também encriptada, aguardámos com anseio pela resposta.
Entretanto, lá nos íamos
embonecando para receber as individualidades.
A meio da tarde de 24 de
Dezembro recebemos a dita mensagem, cujo texto após o seu desencriptar,
continha mais ou menos o seguinte:
- “ Por razões inesperadas,
não é possível a presença do Brigadeiro XPTO nesse aquartelamento. Votos de Bom
Natal ”.
De raiva, colocámos algum
bacalhau desidratado que ainda restava, em água, mandámos cosê-lo, devidamente
acompanhado de esparguete. Se calhar pensavam que havia batatas, não? E fizemos
entre nós uma bela consoada.
Mais tarde, cerca da meia-noite,
mandei formar os GEs no centro do aldeamento, onde lhes dirigi umas palavras
sobre o Natal.
Fizemos uma salva de G3, como
se de fogo-de-artifício se tratasse e mandei toda a gente para o arame farpado,
não fosse o diabo tecê-las, pois o IN não festeja.
E a noite do Natal, foi
passada na santa paz das trincheiras, pois o que queríamos, era estar vivos e
bem vivos…
… Afinal tínhamos tudo para
comemorar:
A cabana do presépio, essa,
era a palhota onde há cerca de dois anos vivíamos.
A vaquinha do mesmo, como diz
o povo, e em termos figurativos, foi a sorte que sempre nos acompanhou.
O burrinho, melhor dizendo,
os burrinhos, fomos todos nós.
O menino, simbolicamente, era
a esperança em melhores dias.
Ficaram aqui a faltar os Reis
Magos, pois esses não tiveram tempo de programar o azimute nos helicópteros.
Este é um conto
de Natal diferente, não se reporta a 2015 anos atrás, mas apenas e somente a 43
anos passados.
Filipe Cardão Pinto[1]
19 de Dezembro de 2015
[1] Ex-Furriel
Miliciano da Companhia de Caçadores 3309, destacado para chefiar o Grupo
Especial (GEs) 212, destacado no aquartelamento do Nhica do Rovuma em Cabo
Delgado, Norte de Moçambique na fronteira com a Tanzânia (1971-1973)
Na foto: O furriel Pinto junto de elementos da população do aquartelamento do Nhica do Rovuma.